Água Turva
Morgana Kretzmann
Companhia das Letras, 272 páginas, R$63,92 | 2024.
No cenário exuberante do Parque Estadual do Turvo, no Rio Grande do Sul, Morgana Kretzmann constrói em Água Turva um romance de contornos intensos, onde se entrelaçam questões ambientais, disputas de poder e as complexas relações humanas. Publicado pela Companhia das Letras, o livro transcende a mera ficção para oferecer uma narrativa que dialoga profundamente com a história política e social contemporânea do Brasil, destacando a fragilidade de um dos maiores patrimônios do país: a natureza.
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A obra apresenta três protagonistas femininas cuja trajetória é marcada por tensões e alianças improváveis. Chaya, guarda-florestal responsável por proteger o parque de caçadores e contrabandistas, é uma personagem intrinsecamente conectada à terra que defende. Sua prima, Preta, líder de um grupo de caçadores conhecido como Pies Rubros, representa o lado obscuro dessa relação com a floresta, sendo ao mesmo tempo antagonista e espelho de Chaya.
Já Olga, assessora parlamentar de um político corrupto, retorna à cidade natal para desempenhar o papel de porta-voz de um projeto de destruição ambiental, mas encontra nesse retorno um percurso de transformação pessoal.

O romance adquire contornos quase míticos com a presença de Sarampião, uma figura lendária que parece personificar o espírito protetor da mata. Ao mesmo tempo, a narrativa é ancorada em um realismo contundente, evocando as tensões sociais e políticas que permeiam a vida brasileira recente. A construção de uma hidrelétrica no local, defendida por um governo extremista e pelo fictício Partido Nacional Ambiental, é o ponto de convergência das histórias e das diferentes forças em conflito, destacando a ambição desmedida de homens poderosos diante da devastação ambiental iminente.
Estruturalmente, Água Turva é dividida em cinco partes: Terra, Água, Fogo, Sangue e Fé. A escolha de capítulos curtos e uma narrativa fragmentada, que transita entre diferentes décadas, confere dinamismo à leitura. Esse artifício estilístico não apenas sustenta a tensão narrativa, mas também reflete a conexão intrínseca entre passado e presente, demonstrando como os eventos históricos e pessoais reverberam no presente das personagens.
Um dos pontos altos da obra é a maneira como Morgana Kretzmann transforma o parque em um personagem vivo e pulsante. O Salto do Yucumã, descrito com precisão e lirismo, transcende o papel de cenário para se tornar um elemento central da trama. É evidente o cuidado da autora com a pesquisa sobre a fauna, a flora e os aspectos culturais da região, oferecendo ao leitor uma visão rica e detalhada desse território.
Ao reunir ficção, realidade e elementos fantásticos, Morgana Kretzmann entrega uma obra que provoca reflexões sobre as relações humanas, a conexão com a natureza e a luta por um futuro mais justo e sustentável. Trata-se de um livro que exige do leitor não apenas atenção, mas também sensibilidade para captar as camadas de significados que permeiam sua narrativa.
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