Escolha de atriz cis para viver Geni em filme de Anna Muylaert gera debate sobre representatividade

Repercussão nas redes sociais envolve críticas de artistas e questionamentos sobre a representatividade de pessoas trans no audiovisual brasileiro

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Foto: Rodrigo Reis/Divulgação.

A cineasta Anna Muylaert se pronunciou após críticas relacionadas à escolha da atriz cisgênero Thainá Duarte para interpretar a personagem Geni em Geni e o Zepelim, adaptação cinematográfica inspirada na canção de Chico Buarque. O anúncio provocou reações nas redes sociais, especialmente por se tratar de uma personagem tradicionalmente associada à identidade transgênero.

Composta para o musical Ópera do Malandro, de 1978, a música “Geni e o Zepelim” não explicita a identidade de gênero da personagem, mas montagens teatrais e a adaptação para o cinema em 1986 representaram Geni como uma travesti ou mulher transgênero. A nova versão opta por uma leitura diferente da personagem.

Em vídeo publicado em suas redes sociais, Muylaert declarou: “Durante o processo de criação desse filme, a gente entendeu que a letra do Chico (…) poderia ter várias leituras. Poderia ser uma mulher trans, uma mãe solteira, uma carroceira da favela do Moinho, uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade, uma floresta atacada diariamente por oportunistas.”

A diretora explicou que a decisão pela representação cisgênera foi motivada por considerações sobre a posição da equipe no debate: “[Escolhemos] fazer uma prostituta cis na Amazônia. Uma inspiração, uma influência do Iracema, e até do que acontece hoje no Marajó, que o filme Manas retrata. A gente entendeu que essa poesia poderia ter várias interpretações, e que a gente poderia fazer esta versão amazônica cis com a atriz Thainá Duarte.”

Apesar de Ana Muylaert afirmar que a personagem foi pensada como uma mulher cisgênero, perfis nas redes sociais apontaram que no Sistema Ancine Digital (SAD) e no site do BrLabs, ambas plataformas que têm a função de captar recursos para o filme, a sinopse submetida pela equipe do longa-metragem claramente se refere à Geni como uma travesti.

Sobre a acusação de transfake — termo utilizado para designar a escalação de atores cis em papéis de pessoas trans —, Muylaert afirmou: “Não é essa a ideia, a personagem é realmente cis.”

A diretora também afirmou estar aberta à revisão da escolha: “Se a sociedade — não apenas a comunidade trans, mas também todos os fãs da música do Chico e também do conto do Guy de Maupassant — achar, se a gente computar que realmente hoje, em 2025, a gente só pode interpretar Geni como trans, vamos repensar o nosso filme.”

O posicionamento gerou reações públicas. A atriz Camila Pitanga comentou: “Você pode fazer o filme que quiser, com certeza… mas pondero que esta interpretação serve sim ao apagamento doloroso de mulheres trans. São poucos personagens com esse protagonismo, entende? É uma escolha que fere.”

A cantora Liniker escreveu: “O debate ser aberto como votação se é certo ter uma pessoa trans ou cis nesse papel ou não, já nos expõe grandemente. O Brasil não é um país acolhedor aos nossos corpos e trajetórias, principalmente se tratando de um protagonismo numa produção audiovisual.”

A jornalista Eliana Alves Cruz afirmou: “[Em 1979] todo mundo identificava a transexualidade da Geni. Até as crianças. Geni virou motivo de bullying homofóbico e transfóbico em todas as escolas. E foi a primeira vez que me atentei para a dor desse estigma. Eu vi a dor dos meus colegas, porque eu mesma sofria algo parecido, mas no lugar do racismo. Passados mais de 40 anos, ouvir que Geni pode ser interpretada por uma mulher cis doeu em mim, quanto mais nas pessoas que correm risco de vida todo dia só por serem quem são.”